A crônica:
O que é notícia hoje?
Por Lana Távora
O jornalista, sentado em sua mesa, encarava a tela do computador. O documento aberto em branco refletia sua mente vazia, em busca de uma notícia, daquela história que faria manchetes, que provocaria discussões e despertaria emoções. A pergunta incessante em sua mente ecoava como um mantra: "O que é notícia hoje?".
Enquanto sua atenção estava fixada no mundo digital, um pequeno espetáculo de milagres cotidianos ocorria à sua volta, completamente despercebido. Uma borboleta pousava suavemente na janela, desdobrando as asas em um espetáculos de cores vivas. Do lado de fora, crianças brincavam, criando universos inteiros na imaginação. O sol, lento e majestoso, coloria o céu em tons alaranjados e dourados, pintando a paisagem urbana com cores que ela não costuma mais ver.
Mas isso lá é conteúdo de notícia?
Nada disso capturava a atenção do jornalista. Sua mente estava obcecada com a corrida frenética pelas hard news. Torcia por uma tragédia, um escândalo, um drama político. O ordinário, o comum, o belo simples e o extraordinário da vida cotidiana não tinham lugar contra algo que capturasse audiência, cliques e manchetes.
Enquanto ele se esforçava na criação de um enredo sensacionalista, sua sobrinha nasceu. "Parabéns, que tenha muita sadúe", ele digitou para o irmão, recém-pai, sem muita atenção.
Simultaneamente, um adolescente que morava a duas quadras de distância colocou suas mãos no piano pela primeira vez e, ao ouvir a melodia das teclas, descobriu que tinha uma habilidade quase natural para a música. Ele chorou e ninguém viu.
O som de seu piano saiu solto pelo ar, circulou um casal em seu primeiro encontro, varreu os pés de uma senhora que lembrava com doçura de sua primeira boneca feita de espigas de milho, se misturou ao trinado de um passarinho e acabou chegando até ali.
E "ali" estava o jornalista, mergulhado na busca por algo extraordinário, sem perceber os pequenos milagres que tornavam a vida especial. Quando o som do piano distante e a melodia de uma pequena ave de verão bateram em suas janelas, o jornalista foi trazido de volta à realidade.
O mundo ao seu redor pulsava com histórias singulares. "Estou cego?", ele se perguntou. "Cego para toda a beleza e a poesia que se desdobram diante dos meus olhos?"
Foi quando seu computador emitiu um som de notificação. Furo do dia: um ônibus se chocou contra uma van escolar no cruzamento da Marechal Floriano Peixoto com a rua André de Barros. Sete mortos e contando.
"Mas que beleza!", o jornalista comemorou. "Isso é que é uma boa notícia!"
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